Moura é um exemplo interessante para o estudo da arquitetura militar medieval e moderna. Não que qualquer das suas fortalezas seja excecional, em termos de qualidade do que foi edificado. Não é esse o caso. Mas dão pistas interessantes para a compreensão do sítio e para a sua leitura topográfica.
Para uma fortificação medieval do mundo mediterrânico Moura parece um modelo perfeito. Ocupa o topo de um cerro (o do castelo, que ainda por cima tem nascentes no seu interior), está entre dois cursos de água (o Brenhas e o da Roda, hoje quase todo “encanado”), tem terras férteis à sua volta e tem uma linha de muralhas de difícil acesso.
A força do sítio medieval de pouco lhe serviu depois do século XVI. Chegou, literalmente em força, a artilharia. Uma realidade que a Idade Média não conhecia, desta forma. Qualquer canhão situado nos espaço em volta do castelo – na zona da Porta Nova, por exemplo ou, muito em particular, no alto da Salúquia – fazia facilmente “tiro ao alvo” em direção ao castelo. Encontrámos, nas escavações realizadas em 2003, vestígios de um desses bombardeamentos, com restos de projéteis por entre os escombros das ruínas. Foi essa fragilidade que levou à construção de uma estrutura militar, hoje desparecida, na Salúquia (ficou o nome, na Rua do Forte).
Depois da Restauração houve a necessidade de proteger Moura com novos amuralhamentos. A chamada muralha nova, de que sobrevivem alguns troços (Muralha Nova, Boavista, Santa Catarina, Jardim etc.), foi sendo construída, na segunda metade do século XVII, a partir de um desenho ideal de Nicolau de Langres (que nunca foi executado na íntegra). Muitas casas foram demolidas, para dar lugar à edificação de um sistema defensivo razoavelmente complexo. Adaptada ao terreno, e às urbanizações que já existiam, a muralha de Moura não tem o rigor geométrico de outras. Foi, ao longo dos anos, sofrendo várias destruições. Uma das mais importantes ocorreu em 1707, quando a cidade foi cercada pelo Duque de Osuna. Vários pontos das muralhas, medievais e modernas, foram destruídos. Salvou-se a torre de menagem, porque as freiras do convento do castelo imploraram que não fosse destruída, por poder tombar para cima do local onde viviam as freiras. O torreão virado ao Convento do Carmo escapou por pouco. Recordo um excerto das Memórias Paroquiais de 1758: “para a parte do Carmo tem outra grande torre o castello. E levantando-se no ar metade da torre com as minas que lhe fizerão, cahio sobre a metade que tinha ficado fixa, couza que este povo atribuhe a prodigio da imperatriz do Carmo, porque cahindo fora do muro deyxaria o convento todo arrazado” (…)”. Deverá também datar dessa época a célebre “brecha do jardim”, nome hoje em desuso, mas que faz parte do passado de muitos de nós. A ruína parcial que a igreja de S. João Batista sofreu, em 1708, foi, certamente, um “efeito colateral” dos bombardeamentos e das minagens que o poderoso chefe militar espanhol promoveu.
Alguns destes tópicos já foram tema para publicações. Outros serão ponto de partida para trabalhos futuros. A riuis Anatis fluminis extremum mundi uideri potest? Das margens do Guadiana vê-se o resto do mundo? Certamente que sim. Desde que se consiga ver. E se queira ver.
Crónica em "A Planície".
Moura, no desenho de Nicolau de Langres (1657)